quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Lembranças



Sou Flávia Mello, tenho 65 anos. Nasci em Linha Sede Capela, no primeiro hospital de Itapiranga, chamado São José. Sou filha de José Pedro Naue e Ana Catarina Naue, papai era professor e mamãe dona de casa. Brinquei muito na infância, pular corda, esconde-esconde e principalmente de boneca, que eram feitos de pano, montávamos nossas casinhas com tijolos pedaços de madeira, latinhas diversas, era muito divertido. As brincadeiras acabavam com o bater da Ave Maria (sino das 18hs). Após a janta, que era feita sempre em família fazíamos uma oração agradecendo por mais um dia. Nossos pais cobravam silêncio absoluto,pois as 20Hs chegava o momento de escutar o Repórter Esso,noticiário principal do dia, escutado no único rádio da casa, e as 20h30min nos recolhíamos , sem a mínima chance de prorrogar esse horário.Na escola éramos muito exigidos, principalmente a caligrafia,decorar tabuada e o catecismo (várias orações). Freqüentei o colégio em Linha Sede Capela por quatro anos depois fiz o normal no internato das austeras irmãs da Divina Providencia no Colégio Frei Rogério, hoje São Vicente.
Um momento marcante foi encontrar meu primeiro namorado num baile na comunidade no ano de 1962, esse reencontro que veio a se repetir com frequência, tornou-se um namoro sério, e posteriormente transformou-se em casamento com meu marido Lacy,  cuja união  dura até hoje e desde nasceram meus filhos.
Namorar era tão fascinante quanto hoje, namorava-se muito mais, justamente não por existir muitas opções de lazer e locais para confraternização dos jovens, mas sempre precisávamos contar com o consentimento  dos pais , por isso o pedido em namoro era  uma grande ocasião,  o casamento era consequência de vários anos  de namoro e construção prévia de um patrimônio razoável. A pureza das donzelas era fundamental , mais por imposição da Igreja, dos bons costumes do que por vontade própria , por isso raramente se relacionavam sexualmente antes do casamento.
As paisagens eram mais naturais, pois não se tinha a necessidade de plantar arvores nativas, só se plantava para subsistência. Permanecíamos mais tempo em  casa, agindo sempre de acordo com os costumes herdados de nossos pais, poucos  tinham a ousadia  de mudanças radicais. As roupas utilizadas na época eram mais simples dando uma conotação mais chique para as utilizadas no emprego e no culto dominical, e mais tarde escolhida uma também mais legal para namorar.
Itapiranga sempre foi esta cidade maravilhosa, que a partir dos anos sessenta  cresceu a olhos vistos, mas passou por  momentos complicados durante a 2°guerra mundial, por exemplo, quando o povo daqui por ser de  descendência alemã, sofria perseguições, mas no geral vivemos num paraíso.
Se levarmos em consideração os dias de hoje, percebemos o quanto evoluíram os objetos, o ferro de passar roupas, por exemplo, era esquentado a carvão, não havia  eletricidade como hoje, fogão a gás era um “ luxo”, o fogão a lenha dominava os ambientes. Ferramentas para reformas apenas uma ou duas famílias da comunidade as tinham  e dividiam como todos. As roupas sofreram alterações quanto a exposição de partes do corpo, outrora quanto menos se via  da pessoa, mais bem vestido era considerado. Os discos, raros, eram LP’s  enormes e pesados. Já  as vitrolas eram  movidas a manivela. Rádio apenas poucos privilegiados contavam com esse luxo, e precisavam de verdadeiras ginásticas para se instalar antenas para conseguir sintonizar alguma rádio com notícias atualizadas sobre o que acontecia pelo mundo.
O lampião a gás era utilizado para iluminar a  casa,, quando mudava-se de cômodo precisava levar junto, o que tornava a família mais unida, já que não existia um lampião para cada cômodo da casa.
Tomar banho era o caos, precisávamos esquentar a água  e colocar no chuveiro, que era um  latão pendurado com abertura (furinhos) para o banho.
O trabalho  acontecia da mesma forma que hoje, o diferencial é que poucos deixavam  a casa para trabalhar fora, pois muito trabalho se tinha nos afazeres domésticos,já que a agricultura exigia mão de obra  de toda família. Eu trabalhei desde cedo fora de casa, nas Lojas Scholer em Linha Sede Capela, como balconista. Por que minha família não era de agricultores.
Os amigos se encontravam no Colégio ou nos finais de semana, nos bailes, fora isso, eram raríssimas as oportunidades da confraternizar.
As festas antigas eram mais alegres, e comemorava-se a data em si, quer dizer dava muito valor ao significado real da data, e não com hoje que se dá mais valor ao apelo comercial da data, isso ainda poderia ser resgatado, mas precisaria de ações de todos.
Os bailes eram raros, mas havia e eram locais para se encontram com o namorado. A música,  diferente  de hoje, era para abrilhantar a festa e não deixar surdos os participantes.
A religião era o centro, e tudo girava em torno  da palavra de Deus transmitidas pelos sacerdotes. Afastar-se da Igreja, da religião era tido  com pecado mortal. A participação era de 100% da população.
As escolas eram normais, as aulas também, apenas acho que os professores antigos tinham  um amor,  uma paixão pela profissão, esquecida  nos dias atuais. Não quero  entrar no mérito da valorização que é despendida hoje aos mestres. Outrora professor era respeitado tanto pelos seus alunos como pela sociedade em geral, o que me parece não acontecer nos dias de hoje.
As maiores dificuldades eram com as doenças, raramente se tinha diagnostico correto  e o meio para tratar Isso que em Linha Sede Capela tínhamos o primeiro Hospital de Vila Porto Novo, com ótimo medico.  Com os meios de locomoção também o sofrimento era grande.
A saudade maior é da maneira humana com que as pessoas se tratavam, troca de favores, gentilezas feitas com prazer e a inexistência de drogas ilícitas, pessoas agiam com o coração na maioria das vezes.
Não acrescente dias a sua vida, mas vida a seus dias, não existe  caminho para felicidade, a felicidade é o caminho.
     Esta é uma história real que aconteceu com Flávia Mello e foi escrita pela aluna  Eliane Luise Flach da Escola de Educação Básica São Vicente sob orientação da profª Cecília Werner Kummer.

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